O Homem Que Matou um Caminhao

>>>Caso ele saísse da Igreja, perderia o trabalho, a bicicleta e entraria em total loucura. Assim disse o pastor.

>>>Sempre a mesma calça e camiseta de manga curta bege. Chamava-se José ou Luis. Tinha seus cinqüenta anos, com aparência de uns sessenta. Andava como seu pai. Um andar de alguém com vontade de ir ao banheiro, que na verdade era sua perna mais curta a culpada. Falava como seu pai. Muitas vezes não conseguia reproduzir o que sua mente queria dizer, por isso possuía uma agonia entre o “R” e o “G”. Sempre colocou primeiro o arroz e depois o feijão, como seu pai. Preferia não beber nada no almoço e tirar uma soneca antes da refeição. Herdou do seu pai o trabalho de jardineiro na casa de uma tradicional família em Petrolina, interior de Pernambuco. Todos diziam que ele assemelhava-se com seu pai, portanto não se sabia ao certo quem dos dois era José e Luis. Pai e filho, José e Luis, ou Luis e José, respectivamente.

>>>Na sua comunidade havia uma igreja, dessas que amam Jesus, que ele sempre freqüentava. Era um homem inteligente da vida, apesar de ter estudado até a quinta série. Lia o jornal todos os dias, e se o dinheiro faltasse, pedia emprestado na rua. O jornal, claro. Era evangélico devido a um acontecimento marcante. Certa vez, ele bebeu duas doses de cachaça e na volta pra casa começou a ouvir vozes. Um amigo, evangélico, afirmou que eram vozes do diabo, que sempre vão embora, caso aceite Jesus. José ou Luis o aceitou. A partir daí, as vozes silenciaram e continuou praticando a religião.

>>>Conheça o pastor Arlindo. Homem de uns quarenta anos, cabelo bem penteado, pele negra e olhos de dar medo. Personalidade extremamente esférica. Não na oração, mas nas conversas a parte com seus fiéis. O pastor entrou recentemente na Igreja. José ou Luis começou a rever seus conceitos sobre aquela instituição e decidiu deixa-la.

>>>Era um domingo, no encontro das famílias da Igreja pela manhã. Despedia-se de todos no final, dizendo que agradecia pelo contínuo carinho dos irmãos. O pastor Arlindo apenas observava. Após não haver mais ninguém ali, assustou-se com a voz grossa do pastor afirmando que algo como “Jesus não gosta de traidores”. José ou Luis olhou agoniado para aquele homem, sem entender, escapando de sua boca um “não estou traindo ninguém”. Levando outro susto, dessa vez maior, ouviu gritos do pastor: “você vai pagar caro por isso! Vai perder seu emprego e aquela bicicleta imunda!”. Sem pensar duas vezes, foi embora aos berros do pastor, que ainda previa a loucura daquele que deixasse a Igreja.

>>>José ou Luis não acreditava no que havia escutado. Uma semana depois, o dono da casa onde trabalhava como jardineiro foi assassinado e a família decidiu mudar-se para a capital. Sairia para procurar um novo emprego, mas sua bicicleta foi roubada antes de chegar em casa.

>>>Conheça Suzana, a filha mais nova de José ou Luis, que viu o pai chegar à loucura. Forma dois meses tentando cuidar da saúde mental do pai, que já havia apanhado na rua por tentar pregar a palavra de Deus, mas dizia coisas sem sentido. E foi enquanto Suzana ainda tentava se acordar que recebeu uma ligação no seu celular. Alguém muito desesperado falava que José ou Luis atirara-se contra a roda de um caminhão que passava na estrada. Não sobreviveu. José ou Luis pagava muito bem o dízimo.

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