O pio dos pássaros

Ainda é escuro, mas já cantam os pássaros. Aqueles pios incomodam. Me pergunto se os pássaros não tem mais o que fazer. Evidentemente, o problema é comigo, pois nunca ouvi ninguém reclamar dos pios dos pássaros às 4:30 da manhã.
Senti o cansaço do ócio, por mais que pareça estranho e senti o peso da inutilidade. Lixo, me xinguei.
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Sempre planejei demais, meticulei demais e me preparei demais pra coisas que nunca vieram a acontecer. Imaginei loucuras, naveguei pelas vontades que foram se acumulando aqui, conformadas com o fato de nunca encontrarem a liberdade. Foram sedimentando, sedimentando, até virarem rocha.
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Enquanto o dia ia nascendo, eu chorava como um bebê. Derramava lágrimas gratuitamente, à espera de um conforto, à espera daquela voz que afasta o medo e diz que está tudo bem. Tudo o que pude ouvir foram os meus soluços e o pio dos pássaros às 5:00 da manhã.
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A rocha não era tão rocha assim. Pude senti-la se fragmentando rapidamente e me devolvendo o vazio habitual. Nesse momento, eu senti que tinha voltado de longas férias e que estava no comando novamente. Imaginei se isso não seria perceptível ao mundo ao meu redor.
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Enquanto me afogava nas lágrimas, eu bocejei. Sinal de que a qualquer momento, sem que eu percebesse, aquele choro ia dar lugar a um sono que me traria algumas horas de anestesia, até retornar ao mundo real. E depois?
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Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Ninguém percebeu.
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Acordei ao meio dia. Atendi o telefone. Caiu a ficha; eu estava de volta. Mas nada estava diferente de quando eu fechei os olhos. Salvo a única: não havia o pio dos pássaros.

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