continua no próximo episódio

Parei na janela só para ver o dia amanhecer. Tomei os meus comprimidos de costume e fiquei a observar o céu que tinha leves tons em dégradé; eram os primeiros raios do sol, que vagarosamente eliminavam o breu do meu quarto-sala-cozinha. Era pra ser provisório, foi o que deu pra arranjar quando larguei a faculdade. No centro da cidade, em cima de uma tabacaria, onde poderia fazer tudo a pé e ver gente, muita gente. Em um pulo se tornou definitivo; fui ficando e devagarzinho me acomodando. Fui criando cada vez mais gosto pela vida noturna e pelas coisas da vida noturna, cigarros, bebidas, música; a rotina virou ressaca e vice-versa. Inevitavelmente, eu cansei. Não foi de uma hora pra outra, nem de um dia pro outro, mas bem lentamente... Chegou a terrível, a temida e indesejada meia-idade. Perdi os amigos da noite, recebi recomendações médicas para beber menos, fumar nunca e me exercitar mais. Foi assim que comecei a me afundar. O peso da idade bateu à minha porta e eu não soube lidar com ele. Passei a prestar atenção às rugas em meu rosto, aos fios brancos no cabelo, à barriga saliente e como o joelho incomodava quando subia às escadas. Pulei da adolescência direto para a meia-idade. Fui passando cada vez mais tempo só, enclausurado. As minhas noites, que antes só me davam alegria e histórias pra contar, se resumiram às placas de neon atrapalhando minha insônia.

Há muito não recebo visitas. Fico aqui só, a amargar o sabor do café, que é meu único combustível. Talvez seja minha culpa, mas já parei de pensar nisso. Algumas pessoas nascem pra viverem assim, sós. A campainha tocou uma vez, levantei sobressaltado, olhei pelo olho-mágico: ninguém. Talvez tenha sido apenas uma ilusão. Ignorei. Tocaram novamente. Não atendi, deitei-me. Na verdade, encolhi-me. Senti medo. Fui à sala e lá estavam elas, as três caras pálidas de cabelos negros; impassíveis. Andei de um lado para outro, nervoso, inquieto, enquanto estavam vidradas em mim com aqueles olhos translúcidos que me permitiam enxergar-lhes até o fundo da alma. Parei e perguntei o motivo da visita. Nenhuma resposta. Ofereci uma bebida. Nenhuma resposta. Me larguei ao lado do cinzeiro e acendi um cigarro, que não ofereci. Que conforto o vício dá, pensei. Elas sorriram e passearam no cômodo como se fossem fumaça. A fumaça que saía da minha boca. Eu não era mais capaz de distingui-las. Senti um frio invadir-me e de repente tudo acabou. Eu estava só novamente. Na verdade, eu sempre estive.

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