O tempo que o mar precisa

Deviam ser umas sete horas. Pelo que calculou, o relógio da sala marcava sete horas. Tinha terminado de fazer a barba e demorava meia hora para fazê-la e da última vez que marcou eram seis e meia. Agora, sua vida iria mudar, como a tanto tempo esperava. Esperava não, sofria. A programação da falta do que falar no momento pregou-se na cabeça durante semanas. E hoje, às sete horas da noite, como tinha previsto, encontraria uma covardia ao contrário. Olhando-se no espelho amigo, sorria com os ombros. Achava engraçada a maneira idiota que possuía de querer uma aceitação na sociedade pela sua possível opção. Brotava daqueles olhos a mistura exata do doce e do veneno. Riu, mas, de súbito, partiu. Ali quebrava o tempo. Provavelmente se passaram uns dez minutos, como de costume.
Faltam fantasmas, delírios para conduzi-lo até a revelação. Porém, a lembrança do recente sonho o apóia em pé. Um domingo azul e fresco. Um mar azul e, mas tarde comprovará, também fresco. Neste sonho, não existe obstáculo entre ele e o reluzente oceano. Não sente o tempo, os segundos trabalhavam suaves e em câmera lenta. Somente diminuíram quando mergulhou o corpo na água de poucas ondas. Estava perdido no mar vazio. À medida que afundava, sentia-se preso e desejava profundamente respirar. Acordou de cara no chão molhado do quarto. Muitas vezes ele se perdeu pelo mar, mas a atual sensação ordenava o descobrimento da verdade. Alguém gritava nos seus ouvidos que eram sete e quarenta, como de costume.
Finalmente, dirige-se ao banho. A recordação do mar o impede. E, enquanto se enrola novamente na macia toalha, ouve um conhecido barulho da relação chave e porta. Mesmo sem entender muito bem a importância do que pretende contar, corre e para no momento que não percebe que está revelando a mãe tudo aquilo. Diz que sairá de casa e será do mundo. Não que se sentisse prisioneiro de casa, mas queria ser prisioneiro da liberdade. A mãe, séria e muito firme, pergunta o que é liberdade pro filho. De cabeça pra baixo, ele não consegue manter-se de pé pelos fantasmas, delírios que não o conduziram para a revelação e se cala em dúvida. Tantas vezes perdido no mar e nunca viu a cara da verdadeira liberdade. Respondeu o que podia latir. Disse que apenas sonhava em respirar fora da água e para isso deveria ser feliz com o amor e o amor de um menino. Dessa vez quem não parou em pé foi à mãe, diante dos seus planos de mãe. Sem perceber, ela falava que se a liberdade era essa, ele não precisava sair de casa. Passaram-se alguns segundos silenciosos e os dois sentados. Eram oito e trinta e cinco, como de costume.

3 comentários:

  1. eu sou o meu prórprio lado
    lado ruim do pior lado? sei lá :}

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  2. essa foi umas das coisas mais lindas que eu já li. adorei reive!
    depois eu quero conversar ctg ;)

    te amo muito

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